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quinta-feira, 3 de abril de 2008

Novas confissões secretas de Holly


From: Holly

Meninas, vcs estão pra entrar, pela primeira vez, nos recônditos do meu âmago, jamais invadido por nenhum outro. Mas fico contente que isso aconteça pois é a irrefutável prova que estou curada de muitos males. Vou forte mas consciente que me fará mais bem que mal essas "confissões" Estou tirando um grande peso da minha alma, podem acreditar.
Esse capítulo é um pouco triste, pois falo de crises existenciais, as quais eram uma constante na minha vida, na fase de transição adolescência-adulto.
Quando a crise baixava, eu ficava mal mesmo. Era extremamente introvertida pra poder confidenciar com alguém, preferia a morte, a que alguém viesse saber que passava momentos negros na minha jóvem vida. Às vezes eram fortes, eu chorava muitas vezes por toda a noite, a noite era o meu refúgio, onde ninguém poderia interferir. Um dia tive uma dessas crises, quando morávamos sozinhas. Estava só em casa e não esperava que alguém aparecesse naquela hora. Chorei tanto que meu rosto estava deformado, fazia um grande esforço pra abrir os olhos de tão inchados. Improvisamente, alguém bateu na porta e eu tive um sobressalto. Uma vergonha me avassalou por completo e eu fiquei paralisada entre o medo e a vergonha de que alguém me visse naquele estado. Contra vontade, fui abrir a porta, e era painho que chegava do interior pra nos visitar (como seria bom ter um telefone naquela época!). Tentei esconder o rosto mas era impossível, tive que afrontar o olhar indiferente de painho; naquele momento me senti pior ainda. Era evidente que ele notou o meu sofrimento marcada no meu rosto deformado, nossos olhares se encontraram e eu li, em um lapso, a sua interrogação, mas não me disse nada, nem notei nenhum sinal de preocupação. Ou ele era muito bom em disfarçar ou notou e não se importou. Eu preferi aceitar a segunda hipótese. Naquele momento me senti orfã de pai e mãe.
Nessas crises eu me interiorizava como um caracol, e me escondia, o mais que podia, dos olhos dos outros. Me refugiava no meu quarto mas mainha, assim que notava minha ausência, me gritava aos berros. Tenho certeza que ela entendia que eu não estava bem, psicologicamente. Mesmo na sua ignorância, ela era muito perspicaz e sábia, porém, nunca teve uma palavra de conforto ou de compreensão, nenhuma aparente preocupação em me ver naquele estado deprimente, pelo contrário, parecia que sentia prazer em futucar uma ferida já aberta, sem piedade. Caia em cima de mim com reprovações que me feriam no âmago. Ela conseguiu incutir em mim um forte complexo de inferioridade, conseguiu fazer com que os meus anos pesassem exageradamente sobre mim, mais daquilo que representavam realmente. Não sei se fosse pelo fato que invejasse a minha juventude, por se sentir mais velha do que realmente era. Acho que, em algum momento da vida, toda mãe sofre dessa psicose com relação às filhas. Sei que ela me tirava do quarto com pedras e canivetes. Dizia que eu parecia as "velhas de tenente", não perdia tempo em me avisar que, aos 16 anos, me lembro bem, eu deveria perder a esperança, pois eu não era mais adolescente, não, e dibicava o mais que podia, você é jà uma moça velha, (ó praì!) tome vergonha etc. Acho que foi por isso que eu sempre tive vergonha de dizer a minha idade (vejam como as palavras das mães fazem um grande efeito nos filhos e como marcam talvez por toda a vida) lembro que muitas vezes rejeitei convites pra conhecer pessoas novas, por puro medo de que me perguntassem a minha idade. Fazia mil estratégias pra justificar os meus "vergonhosos" anos. Dizia que painho trocou a minha idade com a de Nando, que meu registro estava errado etc. Lembro que qdo fiz 12 anos, (já tocava na banda musical) mainha fez a tradicional festinha e chamou o pessoal da banda. Aí George (o maestro) qdo entrou, foi logo perguntando a minha idade, gelei dos pés à cabeça, e respondi ingenuamente: "não sei não, mainha é quem sabe" pra ver se escapava, mas mainha ouviu e gritou "12 anos" com todo o gosto. e George, inadivertidamente, falou brincando: "tá ficando velha, heim!" Pra quê!!! A festa perdeu o significado, chorei toda a noite.
Qdo dei a "confissão de fé" pra me batizar (tinha disso tb, né?), aos 13 anos, lembro que tinha aquele ritual, vc alí na frente como um réu pra ser dilapidado pelo público delirante de alegria, por poder atirar uma pedra, como em uma arena (que tortura!), painho perguntou se alguém tinha algo contra o meu batismo, que se pronunciasse. Irmã Lilyana (mãe de Meril) se levantou, e disse que ela não via nada que impedisse o meu batismo, só aquelas coisas de criança que não se leva em conta. CRIANÇA!!! esbugalhei os olhos, então alguem me considerava uma criança, a 13 anos!!! Não acreditava no que ouvia. E realmente, foi o que aconteceu. Não quis crer, achava que era Lilyana que não sabia o que era uma criança.
Pois é. E mainha continuava a dilapidar minha auto estima como podia. As palavras mais gentis eram: cara de panela, cara larga, que eu era corcunda, nega como tifú, (o que é isso, mesmo?), macaca preta, cabeça de trombeta e por aì vai.

From: Ly

Pôxa Holly, quantas coisas vc viveu em família, né?
Queria ri da sua carta e não podia, tava anestesiada, gente que maluquice, tou eu aqui, segurando gelo nas buchecas, querendo ri, sem saber se posso ri ou não, penso: e se deformar? Que dia achei pra ler emails engraçados.
E sabe, Holly, falando da sua carta anterior (Mãe primorosa 1), fazer xixi na cama não era previlegio seu, deixei de fazer somente depois que menstruei, aos 13 anos. Também lembro de algumas reclamações, mas não lembro de esfregão, graças a Deus, lembro de ter que dormir com Lourdes, a babá, e dela me acordando com beliscão, no meio da noite.
Sofri muito com isso, mas sofri mais com Tess, que ameaçava contar pra todo mundo se não fizesse o que ela queria e muitas vezes tive que me render a ela, só pra não espalhar, pode????
Lembro de quando estudava no Santa Luzia e subi a bainha da saia escondido, pra partecipar de um desfile, dei uns pontos grandes pra que as pregas ficassem certas e ia sair bem cedinho pra mainha não ver que eu tinha subido a bainha, coloquei debaixo do colchão e quando acordei tava toda mijada, gente que raiva de mim, naquele dia eu quis me bater, pq tive que ir com a outra saia sem bainha e comprida.
Ly 13-12-04
From: Holly
Mãe tirana!
Um dia, gente, que dor que senti naquele dia. Eu estava dormindo na cama de cima do beliche, tão encolhidinha no meu mundo interior e tia Ely estava lá em casa. Aí, entraram no quarto, mainha e tia Ely, e se sentaram na cama de baixo sem notar que eu estava em cima, e começaram a conversar. Mainha começou a falar de mim, não me lembro exatamente o motivo, mas lembro que ela estava querendo se justificar com tia Ely, por algo que me fez e que me ofendeu, querendo dar razão a ela mesma, se fazendo de vítima, e dar a culpa toda a mim, pra fazer crer a tia Ely que eu era a danada, só que eu sabia perfeitamente que ela não estava dando o peso justo àquela história. Eu estava já inchando como um sapo, me sentia um animal ferido pela traição, por parte de minha mãe; naquele momento, vi nela a minha pior inimiga, sabem o que é isso pra uma menina, pouco mais que adolescente? A um certo ponto, mainha, toda senhora da razão, falou assim: (Essa frase me lembro bem pois era o motivo do meu maior complexo) "Holly é feia, Ely, é uma menina feia..." gente... foi uma facada. Eu sabia que ela me achava feia pois me dava todos aqueles apelidos mas nunca imaginei que ela declarasse abertamente a terceiros. Meninas, eu dei um salto da cama como uma besta ferida, olhei mainha na cara e vi a surpresa dela por a ter pegado no flagra, e gritei com todo o meu pulmão, "SOU FEIA PQ FOI A SENHORA QUE ME FEZ, VIU?" e saí correndo e me tranquei no quarto. Eu não sei se vcs tem idéia do que pude acolher no meu coração naquele momento, pq não era o caso que eu fosse uma menina rebelde, que batesse bico com minha mãe, nunca. Pelo contrário. Era muito obediente e talvez fui a única que me anulei, pra não dar desgostos aos meus pais, nem mesmo na mínima coisa. Contraditoriamente, muitas vezes, ela admitia que eu era a melhor filha, que não dava desgosta a ela como os outros.Um dia ela me disse uma frase e eu nunca esqueci, talvez pq senti que veio de dentro dela com uma grande força de sinceridade, e peguei a frase ao pé da letra mesmo. Ela disse que eu ia ser muito feliz. Que tinha certeza que eu ia ser uma pessoa muito feliz, repetiu. Eu senti poder nessas palavras.
Hoje, além de reconhecer que não sou feia (naquela época, menos ainda), posso me considerar uma heroína, por conseguir superar a maior parte desses traumas. Não foi fácil e acho que a vida sozinha, em um país estranho, me fez tirar e explorar todas as minhas risorsas, as garras escondidas pra autodefender-me e consegui, finalmente, enfrentar os monstros dentro da minha psique. Qdo cheguei aqui - vou contar um episódio que envolveu Samantha, involuntariamente, pq ela não conhecia nada de mim, visto que lutava com meu interior sozinha. Aprendi a disfarçar a minha introversão, com muita eficácia, pra proteger e esconder esse lado obscuro, pois no fundo gostaria de ser forte, de ser autônoma e lutava (sem muito êxito) pra conseguir. Invejava a autonomia de Ly e de Samantha, vcs eram o meu espelho a quem eu deveria imitar. Eu teria que andar na "Questura", (tipo de instituição onde se tira documentos como passaporte etc) lembra-se Samantha, pra fazer os documento. Humildemente pedi a Samantha pra me acompanhar (ela já tinha 7 meses que estava aqui), com a desculpa de que não sabia falar ainda a língua, mas Samantha, estrategicamente, disse que eu teria que ir sozinha pra começar a me comunicar, senão ficaria dependente dela e nunca me desenvolveria. Achei uma resposta coerente, mas isso não diminuiu a minha tensão. Saí cheia de meiões, (naquela época, não sabíamos nos vestir para o frio, nem eu nem Samantha, e achávamos que, mais roupa se pendurasse no corpo mais protegida se ficava; hoje sei que, basta uma simples blusa de lã e um capote, uma boa meia fina e estamos bem, basta que seja de qualidade, o que na época não imaginávamos) e lá vai eu, 3 meias finas, meiões grossos, calças pesadas, camisa, camiseta, Blusão, Blusão e blusão, capa pesadíssima, bota pesando 5 k cada uma e, pra completar, chapéu de cawboy, cobrindo todo o rosto, mais chales, luvas etc). Gente, eu me sentia um monstro. E la vai eu, me batendo aqui, e alí, perguntando a um e outro que me tratava mal, (o que esperava? Quem me olhava, se perguntava de qual planeta eu estava chegando e corria) é vero, uma me olhou, qdo lhe perguntei, com uma cara que me fez medo, e virou as costas sem responder, eu gritei com toda força da minha raiva: MALEDUCATA!! Essa palavra sabia pronunciar bem. Resultado, qdo avistei a tal Questura , atraversei a calçada, no meio, tropecei, (não me perguntem como) acho que fui vítima da montanha de roupas que me envolviam e não aguentei segurar o peso, saí catando ficha até o meio fio, e alí bati a cara e fui parar no hospital. Por que isso aconteceu? Eu estava lutando com meu inconsciente, minha mente fraca me dizia que eu não ia conseguir, lutava com todo o potencial da minha mente, mas sem segurança. No fundo, torcia pra não encontrar a bendita Questura e voltar pra casa com essa desculpa. Qdo enfim avistei a Questura, a força negativa com a qual lutava, foi mais forte e me deu o golpe final, fazendo com que realmente eu não conseguisse. Fiquei com a cara inchada por vários dias e até radiografia tive que fazer. Esse episódio, ao primeiro instante, me soou como uma derrota, mas na realidade, foi o primeiro alicerce que estava começando a construir pra me tornar a pessoa que sou hoje. Muito, muito muito diferente, mesmo, muito forte interiormente, mas confesso que não foi fácil superar muitas coisas. Hoje ainda sinto dificuldades em dizer a minha idade, sofro ainda no primeiro impacto, mas já consigo fazer com mais desenvoltura.
Fim do capítulo. Aguardem o próximo
Samantha que bom que vc se lembra daquela fase. Espero que refresque a nossa memória com outros episódios
Bjs 12-12-04

From: Ly

Gente, quantas confissões.
Realmente Dona Alice, nossa eclética mãe, era infeliz e queria levar a gente com ela, lembro também de algumas coisas; eu era a rebelde, lembro uma vez, não tinha ainda o Iguatemi e ficávamos na avenida sete. Eu tava com uma calça cocota de veludo cotelê araçá, e ela disse que eu não ia sair, eu disse que ia, meninas ela rasgou a única calça que eu tinha, uma calça de veludo coletê, no meu corpo, acreditam??? Digo de novo, de veludo cotelê, fiquei com tanta raiva, não por causa da briga, pois tava pouco me lichando pra ela, mas pq rasgou minha única calça, que comprei com meu dinheiro. Ela ficou possessa, pois bem, vesti outra roupa e saí, ela não conseguiu fazer nada, só falar. Daquele dia em diante, ela mudou um pouco comigo, ela viu que eu não me calaria. E eu era o xodó dela.
Holly, vc sem querer, respondeu muitas perguntas do email anterior. Por isso que digo que terapia é bom, falando, vem a cura. Era por isso que vc era tão malvada e crítica, era só defesa, tava na hora de tripudiar, então vc ia à fôrra.
Eu tb era muito malvada, principalmente com Tess, ela era tão boazinha, me obedecia, lembro que fazíamos cocô juntas, eu sempre convencia ela a ir ao banheiro comigo, mas quando era a vez dela eu sempre arranjava uma desculpa. Gente, eu trancava ela no quarto de mainha e ficava do outro lado, lendo o livro do coração, lembram? Aquele que tinha o coração do bom, do ruim, do endemoninhado, ela chorava feito uma louca e eu só pirraçava, mas Tess, eu achei a razão. Vc provocou o meu desmame, drásticamente, e o pior era que vc mamou até 4 ou 5 anos. Lembro que até grande eu tinha raiva qdo mainha contava uma história que vc ficava pedindo na rua, dá peitinho mainha, dá peitinho. É tão sério, que eu tinha um ódio tão grande quando via alguém amamentando. Que maluquice!
Tess, lembra quando eu beliscava aquelas meninas catarrentas, como chamávamos? Quando todo mundo tava saindo da igreja, fazia um aglomerado na porta, e eu aproveitava pra beliscar, com muita força, as criancinhas, só ouviam o choro. É queridas nem Freud explica. Holly, eu tb tinha, como todas nós, a auto-estima destruída por Alice, ela me chamava nariz de batatinha, etc. Bem, que bom que superamos, né? Temos sequelas, mas vencemos.
Tess, eu lembro de alguns aniversários seus, lembro mesmo.
Não tínhamos bicicleta, mas tinhamos bonecas, quer dizer, você tinha eu não curtia muito boneca. Ah! tinhamos mesada , quero dizer, semanada, que elas não tinham
Ly 13-12-04

From: Holly
Vc não se lembra de tia Mary, não? Ela era irmã de mainha pela metade. Não me lembro bem da história, mas tia Ely sabe. A propósito, marquem um dia com tia Ely pra se reunir com vcs pra contar um pouco da história do nosso passado. Ela é o último ramo dos nossos ancestrais (por parte de mãe) que conhece a nossa história e a dos nossos ancestrais. Não deixem que ela parta sem nos deixar essa preciosidade. Se necessário, gravem ou filmem, será um presente precioso pra os netos e bisnetos de vcs. Já pensaram, se hoje tivéssemos um filme de um nosso trisavô? Hoje lamento admitir que esse conhecimento é uma coisa irrecuperável pra nós. Não saberemos nunca, como viveram os nossos bisavós, tataravós.Que bom que vc realizou esse seu sonho, Ly. Fico contente em ter podido promovê-lo. espero que sirva realmente e que vc se sinta satisfeita.
Bjs Holly 13-12-04

Boa idéia Holly, Tess, pode promover este contato com Tia Ely.
Meninas tô com as bochechas inchadas, mas já dá pra notar a diferença. Tô louca pra desinchar. Acho que foi por causa dos risos que fui obrigada a dar nos emails de Holly. Queria gargalhar e segurava as bochechas com as mãos, foi hilariante.
Bjs Ly 14-12 04

From: Samantha
Ly, vc não rir porquê? Colocou botox, foi? Esses e-mails de Holly estão mexendo com minhas memórias. Pena que tô com pouco tempo para escrever. Saí das flores e agora estou no Fórum das Pequenas Empresas. Depois do dia 20 vou me dar férias. Vou passar o reveillon em Guarajuba com Veronica, lembra Ly? - Agora o Natal, não sabemos. Acho que ese ano vai dispersar. Tess deve ficar com a família de Petter. Ly e Holly não veem e eu e Brena, como sempre, sobramos. Veronica me convidou para passar com a família dela e acho que vou pra lá.
Beijos, Samantha, 14/12/04

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